Depois que minha irmã morreu, as palavras se tornaram mais simples
A realidade se tornou pequena, os sentidos muito desfeitos
Quando como descosturamos pouco a pouco
uma palavra que acabamos de bordar num pano simples,
urdidura de algodão cru
O que vocês dizem, eu conheço bem
Mas as palavras me saem fúteis e bobas
Eu quero contemplar e não saber falar mais nada
Porque não há nada mais a ser dito.
Tudo aqui é vão
Ela se foi.
E eu ainda me vejo segurando sua mão
E vendo-a morrer lentamente
Naquele quarto de paredes que eram na verdade cortinas cor de creme
Os bipes ao fundo
Conversas na cabine ao lado
(A outra moça morreu no dia anterior, coitadinha)
E pensar:
“Pronto, é a nossa vez, é a nossa vez, chegou a nossa vez”
Essa imagem me tortura e não me livrarei dela
Porque quando chorei descontroladamente na poltrona eu me vi chorando na outra poltrona, embalada num edredom azul
Encarando o tubo, seu respirar de máquina
Máquina dentro do pulmão de uma mulher
Matéria se esvaindo, te ver ficar assim, desse jeito, amarela, roxa, os olhos
tão escuros, fechados, longe, longe
Queria poder ter te contado o que já não lembro mais
Queria entrar nos seus sonhos e rir junto
Tentando saber se talvez você me escutava dizendo “marina, marina, a mamãe vai cuidar de mim, não se preocupe não por favor não vá embora mas também vá bem não se preocupe não vá, vá, descanse por favor fique, não, descanse”
Estávamos tão acostumados com seu retorno!
Hoje já não há.
-- Vitória, abril de 2021
Nenhum comentário:
Postar um comentário