Ouço os passarinhos as 3h da manhã e penso que seria melhor mesmo ir dormir.
terça-feira, 28 de dezembro de 2021
quarta-feira, 8 de dezembro de 2021
Retomo aqui um poema. A palavra "sub-reptício" me fez lembrar dele. Pensava ser o lindo "Áporo", mas é mesmo este, tão bonito quanto:
Passagem do Ano
O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e
coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.
O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus…
Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles… e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.
Carlos Drummond de Andrade
(Grifo meu, claro. De alguma forma tentarei incorporar, mesclar, lambuzar isso no texto sobre "Os primeiros soldados". Wish me luck)
domingo, 5 de dezembro de 2021
Só não disse que agora mesmo escrevo uma crítica na qual eu me aproximo de Rísia, protagonista alter ego de seu livro, para falar de Brendo em O dia da posse (Allan Ribeiro, 2021). Também não disse que quem me deu o livro foi uma pessoa importante, numa cidade tão importante quanto. E que levei o livro dela pra praia, e que sem querer passei minha mão um pouco molhada e um tanto salgada de água do mar em sua capa. Obrigada.
quinta-feira, 2 de dezembro de 2021
L'arroseur arrosé
Sonhei que regava plantas. Que lindas essas folhagens eu pensava, chegava a olhar perto, quase enfiando a cara na terra.
E uma especialmente me chamou atenção. A terra tava tão quente que quando a gota d'água caía, ela evaporava. Então eu fui molhando mais essa planta que era mais para um tubérculo, uma batata doce enterrada até a metade, e donde saíam e pendiam tantas folhas verdes (um verde tão clarinho), não tão miúdas, mais para médias. E à medida que eu regava a batata eu conseguia ver sua cor progressivamente ficando mais roxa, mais viva, por conta da água. Fiquei tão feliz. Eu me aproximava como uma lupa, via como uma lupa: meu nariz chegava muito perto das coisas.